terça-feira, 8 de maio de 2012

Não Vivemos Tempos Solidários

«Não vivemos tempos solidários.
Na Grécia, desde o início da crise, os suicídios aumentaram 50% e três em quatro cada chamadas para a linha de apoio ao suicídio têm que ver com o desespero da falta de dinheiro e de trabalho. Os sem-abrigo são já 25 000 e não param de aumentar. A que novos limites de infradignidade humana terão de descer os Gregos para expungir a sua putativa culpa? Ironia das ironias ou tragédia das tragédias: um ano após as medidas da troika na Grécia, o desemprego aumentou, o consumo retraiu-se, o crescimento diminuiu e assim diminuíram as receitas fiscais. A austeridade levará a mais austeridade porque o défice orçamental se agravou com as luminárias da troika. Mas parece que ninguém nas altas instâncias aprendeu nada com a lição grega. Já tinha acontecido o mesmo na Argentina. O primeiro-ministro português afirmou pomposamente que com a Grécia nem tomar café. O comissário europeu alemão Gunther Oettinger defendeu que os países endividados deveriam pôr a bandeira a meia haste. A Grécia tornou-se na lepra da Europa do século XXI. «Nós não somos a Grécia!» é o mote exultante da actualidade, que deveria ser substituído por: «Somos todos Gregos.»

Não vivemos tempos solidários.
Um estudo publicado pela Comissão Europeia sobre o impacto das medidas de austeridade nos diferentes estratos de rendimento, entre 2008 e 2011 [no tempo do Governo de Sócrates], em seis países europeus, demonstrou que, em Portugal, os 20% mais pobres sofreram uma redução de 6,1% no seu rendimento, enquanto os mais ricos perderam 3,9%. Não vivemos tempos solidários. O Conselho Português para os Refugiados declarou não dispor de verbas para alimentar os 130 refugiados que tem a seu cargo. Deixará o Estado português morrer de fome esses seres humanos se mais ninguém os acolher e nenhuma IPSS os apoiar?

Não vivemos tempos solidários.
O Governo alemão chegou a um acordo para reduzir o salário mínimo a trabalhadores não europeus. O Governo de Passos Coelho pretende que os candidatos ao Rendimento Social de Inserção tenham residência legal em Portugal há pelo menos um ano, mas só se forem provenientes de um Estado membro da União Europeia! Para os outros, o prazo é alargado para três anos. Até onde irá a barbárie?

Não vivemos tempos solidários.
Alguns media têm relatado casos reais de agonia: com a redução do transporte de doentes em um terço e com a penalização monetária dos doentes que não entram nas urgências, há indivíduos cancerosos e com doenças crónicas que deixaram de poder receber tratamentos. A austeridade pode ceifar ou encurtar vidas? Pode obrigar a que os deficientes tenham de pagar um novo comprovativo da sua deficiência, previamente comprovada por uma junta médica, só para aumentar as receitas fiscais? Não vivemos tempos solidários quando tantos imigrantes morrem asfixiados e esmagados em contentores ao cometer o pecado de aspirar a uma vida condigna. Não vivemos tempos solidários quando a Alemanha tem empréstimos a uma taxa de juro de 0,25%, para mais tarde emprestar à Grécia a 5%.

Não vivemos tempos solidários quando o Rendimento Social de Integração, o subsídio dos mais pobres dos pobres, é a transferência estatal mais escrutinada quanto às burlas (veiculando-se assim o estigma do pobre preguiçoso e malandro). Não vivemos tempos solidários quando a banca paga um quinto do IRC das pequenas empresas.

Não vivemos tempos democráticos.
Nas democracias, a introdução de medidas ditatoriais é mais perigosa porque mais insidiosa. Não se podendo proibir que partidos keynesianos sejam eleitos, proíbe-se que apliquem a sua política. Chegou-se a ponto de se discutir (com o nosso primeiro-ministro como forte entusiasta) a introdução de um limite orçamental nas constituições europeias! Na prática: tornar o keynesianismo ilegal.

E a história dos défices orçamentais é tão distorcida nos media, que se oblitera o facto de que não foram os gastos do Estado, mas a crise bancária e financeira que começou em 2008 que fez descontrolar os défices. Em 2008, o défice público médio na zona euro era apenas de 0,6% do PIB em 2007. Dois anos depois, a crise fez que passasse para 7%, enquanto a dívida pública passou de 66% para 84% do PIB.»


Editorial do PORTELA MAGAZINE de Abril de 2012, da autoria de Manuel Monteiro

3 comentários:

  1. Belíssimo artigo. Deveria ser divulgado e afixado. A intrujice do défice que esconde a origem da crise financeira. Onde há essa revista?

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  2. O Portela Magazine é uma publicação da Associação de Moradores da Portela, que pode encontrar na sua Sede.

    Está também disponível em formato PDF aqui:
    http://amportela.pt/attachments/395_Portela%20Magazine%20Num%202.pdf

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  3. muito obrigado

    jaime antunes

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